Por Fernanda Bogoni
Uma das mais famosas e longas ruas da capital sueca, Estocolmo, a Avenida Drottninggatan é larga e pedonal, repleta de lojas, restaurantes e cafés. Um ponto imperdível, que começa na cidade velha de Gamla Stan e vai até pouco além do centro da cidade. Em tradução literal, Drottninggatan significa “rua da rainha", mas o que pouca gente sabe - ainda que visitante contumaz do país - é que a rainha à qual se refere a alameda se trata de Cristina da Suécia, do século XVII. Única filha legítima do poderoso rei Gustavo Adolfo, Cristina Alexandra nasceu em 1626, ali mesmo na capital.
![]()
Avenida Drottninggatan — Foto: Reprodução/Wikipedia
Coroada em 1650, a monarca já foi tema de livros e filmes, incluindo a versão estrelada por Greta Garbo, na década de 1930, pela figura culta, ligada à arte, inteligente, controversa e por ser à época o que nos dias de hoje a tornaria um ícone da contracultura e da comunidade LGBTQIAPN+. Algo raro para a época e ainda hoje. Aliás, até que ponto turistas e moradores conhecem a verdadeira história da rainha que dá nome à rua? Para além da trajetória de Cristina, outra pergunta que fica é: por que nomes de ruas têm tão pouca referência a figuras femininas? E, mais ainda, a personalidades que desafiam o status quo? Você conhece ou se lembra de alguma?
Podem as subalternas falarem?
De acordo com dados atuais, Curitiba tem menos de 15% das ruas com nomes de mulheres. Em uma análise mais apurada, podemos dizer que, dessas, pouquíssimas ou quase nenhuma são pretas, indígenas ou mães solo, por exemplo. Basta observar: Anita Garibaldi, Darcy Vargas, Princesa Izabel, entre outras, sem demérito algum a elas. Em outras capitais, como São Paulo, o exemplo é o mesmo: muitos, muitos nomes de personalidades masculinas nas ruas e uma média de apenas 13% de nomes em homenagem às mulheres em logradouros públicos. Anita Malfati, Anália Franco, Maria Antonia, Ana Rosa, Maria Carolina, no entanto, pouquíssimas Pagus e Cacildas.
Rua Anita Malfatti — Foto: Reprodução/Boteco Sombrinha
A atribuição de nomes a ruas, praças, escolas e outros espaços públicos são de responsabilidade da Câmara de Vereadores, com o objetivo de promover memória coletiva, prestar homenagens e manter vínculo com a identidade local. Essas “escolhas” devem guardar tradições, personalidades e fatos representativos para a história não só do município, mas também do país.
A lei federal 6.454/1977 proíbe a atribuição a bem público com o nome de pessoa viva ou de personalidade que tenha recebido notoriedade pela exploração de trabalho escravo. Em Curitiba, uma lei de 2021 proíbe, ainda, que espaços públicos sejam nomeados em homenagem a pessoas “que tenham praticado atos de lesa-humanidade, tortura, exploração do trabalho escravo ou infantil ou violação dos direitos humanos, com sentença transitada em julgado".

Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do Brasil e considerada uma das mais importantes escritoras do país — Foto: Reprodução/Arquivo Nacional
Não é só uma questão de preferência ou militância, a questão aqui levantada tem relação com o respeito do Legislativo Municipal junto à memória e identidade coletiva verdadeira da cidade. Com tantas mulheres memoráveis em nosso estado e município, por que elas não fazem parte dessas homenagens? Pesquisadoras, filósofas, professoras, catadoras de papel, protagonistas na arte, na cultura, nas causas feministas, desbravadoras, líderes quilombolas, militantes políticas, mães de santo, entre tantas outras.

Anyky Lima, importante militante pelo direito de pessoas travestis e transexuais — Foto: Reprodução/Ponte Jornalismo
Nomes como Maria Firmina dos Reis, Tereza de Benguela, Maria Carolina de Jesus, Maria Aranha, Angélica Kretã, Kuen Xetá, Professora Silvaneide, Anyky Lima, Samira Moreno, Gilda e diversos outros que provavelmente nem lembramos. Fica a reflexão. E, quem sabe numa próxima vez, podemos falar sobre como nascem os nomes de edifícios? Alguma sugestão?